terça-feira, 21 de setembro de 2010

HOJE

Eu tinha seis anos e a tia Elza passava trabalhinhos de ligar os pontos

Hoje sei que eles servem ao desenvolvimento psicomotor das crianças

Com seis anos as crianças não pensam em psicomotricidade:
                                                                                              elas ligam os pontos

Hoje minha coordenação motora é frágil
     (risco, corto e ando torto)

Com seis anos ligar os pontos era uma aventura tremenda.

Hoje, ainda hoje, temo não saber

Com seis anos a tia Elza me dava estrelinhas quando eu acertava.

Hoje, não

domingo, 12 de setembro de 2010

O SUJEITO E A MÃO

O amor partiu por cinco mil horas
(Primeiro verso)
(Tento outros, contudo é clara a falta de inspiração.)
(Consolado por não ser Homero de batismo,)
(Sinto a vocação fêmea de Penélope:)
(Uso essas linhas frágeis tramas frouxas de enganar pretendentes)
(Tristeza, angústia e saudade se deixam levar.)
(Só não consigo em versos blefar com o desejo,)
(Substantivo impetuoso.)
(Abandono então a caneta.)
(E tenho a mão livre para se ocupar.)

O SUJEITO NA LUZ AZUL

Alguns famintos morrem na tela
Eu, não:
Desligo o aparelho
E sinto muito

Sinto muito em meu estômago o peso do pão.
Sou uma criança gorda com fraldas e confortos
Tenho saliva a escorrer pelos lábios,
A molhar meus biscoitos de maizena.
Sou uma criança, só, uma criança:
Não desejo compreender nada
Não reconheço nenhuma dor
                                               além das entranhas

O SUJEITO RESISTE

Da cidade clara
             ainda clara:
                                     Luz
Atravessa os vãos do quarto
Ainda há quarto
Sei os cachorros vivendo, osso:
Aos homens - meus irmãos, todos buzinas,
                      todos meus iguais, motores –
Os cães sinalizam vida
E eu gravo num papel meu latido mudo
Intelespectado.
Fico só pensando.
E penso que se penso
                                       Inexisto.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A MATÉRIA DO SUJEITO

Vá construindo uma viela ao norte-sul do corpo
Pare a meio caminho entre a cabeça e os pés
Ouça ruídos internos móveis
Aprofunde no escuro orgânico
Encontre a dor vizinha
Exilada em zona gástrica
(fome)
Racionalize a mecânica da continuidade
(fome)
E meça não haver suporte para tais espasmos
(fome)

Você não agüentaria desistir
Não poderia
Você não é deus
Nem nada

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O SUJEITO DELIRA

Escrevo em moto perpétuo
a tingir voltas de escrita
em velocidade alta
curvas de tinta
riscos e vida.

Apago letras como cobrisse ferimentos,
examino ininspirações expostas
imprimo, no fim, restos de verborragias internas,
escrituras orgânicas,
quase versos.