quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O SUJEITO ENCONTRA BILLIE HOLIDAY


Ela exagera nas doses de arrepios em pó
Segue emagrecendo, maquiando as olheiras azuis da Turquia

Desaparecem os comprimidos de paixão
e todo o carinho nos braços roxos: resta
apenas insuficiência de sono
            e uma vontade de comer nada
 
            não grita
            não treme
            não se joga do quadragésimo andar

Tão somente sem logos quase flamba a pele

No vácuo das seringas sem beijos alucinados
                                  sem viagens de olhos fechados
                                                       nem mãos esfumaçadas escorrendo por si

                                         Just open the mouth and sing the blues
                                         lady sing the blues...
                                        

O SUJEITO SENTE

Há milênios
em continente seguro vedado
foi entregue a um mar qualquer por mãos sedentas de transmissões e
iniciou, perdido de mim, sua trajetória.

Em algum futuro, verão,
estará desaguado em areias presentes,
será um mural intransponível
violado por curiosidades breves.

Alimento fútil de alguma civilização
“Eu” numa exposição de museu.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

MARQUE UM X NA OPÇÃO CORRETA

A) O poeta fotografa uma moça que o fotografa de dentro de um filme do Godard;
B) O poeta fotografa a tela da sala 2 do Espaço de Cinema onde é projetado um filme em que Godard registrou uma atriz enquanto ela fotografava a câmera que a filmava;
C) O poeta fotografa o seu desejo de crer que em alguma pasta de um qualquer laptop que aquela moça deve ter num canto obscuro da França está perdida uma foto dele sentado numa das poltronas da sala 2 do Espaço de Cinema assistindo a um filme do Godard;

terça-feira, 21 de setembro de 2010

HOJE

Eu tinha seis anos e a tia Elza passava trabalhinhos de ligar os pontos

Hoje sei que eles servem ao desenvolvimento psicomotor das crianças

Com seis anos as crianças não pensam em psicomotricidade:
                                                                                              elas ligam os pontos

Hoje minha coordenação motora é frágil
     (risco, corto e ando torto)

Com seis anos ligar os pontos era uma aventura tremenda.

Hoje, ainda hoje, temo não saber

Com seis anos a tia Elza me dava estrelinhas quando eu acertava.

Hoje, não

domingo, 12 de setembro de 2010

O SUJEITO E A MÃO

O amor partiu por cinco mil horas
(Primeiro verso)
(Tento outros, contudo é clara a falta de inspiração.)
(Consolado por não ser Homero de batismo,)
(Sinto a vocação fêmea de Penélope:)
(Uso essas linhas frágeis tramas frouxas de enganar pretendentes)
(Tristeza, angústia e saudade se deixam levar.)
(Só não consigo em versos blefar com o desejo,)
(Substantivo impetuoso.)
(Abandono então a caneta.)
(E tenho a mão livre para se ocupar.)

O SUJEITO NA LUZ AZUL

Alguns famintos morrem na tela
Eu, não:
Desligo o aparelho
E sinto muito

Sinto muito em meu estômago o peso do pão.
Sou uma criança gorda com fraldas e confortos
Tenho saliva a escorrer pelos lábios,
A molhar meus biscoitos de maizena.
Sou uma criança, só, uma criança:
Não desejo compreender nada
Não reconheço nenhuma dor
                                               além das entranhas

O SUJEITO RESISTE

Da cidade clara
             ainda clara:
                                     Luz
Atravessa os vãos do quarto
Ainda há quarto
Sei os cachorros vivendo, osso:
Aos homens - meus irmãos, todos buzinas,
                      todos meus iguais, motores –
Os cães sinalizam vida
E eu gravo num papel meu latido mudo
Intelespectado.
Fico só pensando.
E penso que se penso
                                       Inexisto.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A MATÉRIA DO SUJEITO

Vá construindo uma viela ao norte-sul do corpo
Pare a meio caminho entre a cabeça e os pés
Ouça ruídos internos móveis
Aprofunde no escuro orgânico
Encontre a dor vizinha
Exilada em zona gástrica
(fome)
Racionalize a mecânica da continuidade
(fome)
E meça não haver suporte para tais espasmos
(fome)

Você não agüentaria desistir
Não poderia
Você não é deus
Nem nada

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O SUJEITO DELIRA

Escrevo em moto perpétuo
a tingir voltas de escrita
em velocidade alta
curvas de tinta
riscos e vida.

Apago letras como cobrisse ferimentos,
examino ininspirações expostas
imprimo, no fim, restos de verborragias internas,
escrituras orgânicas,
quase versos.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

O SUJEITO POSSUINDO

Preciso tempo de erigir memória-prima.

Senhor de si,
cheio de nós.

Desejo tempo – me transpassa,
escultura.

Crente de perder ou ganhar,
Peço patente de invenção dos milésimos de segundo:

Voo contra
           

       (ultrapassado)
sou escritura.

sábado, 28 de agosto de 2010

O SUJEITO BUSCA O INDEUSTERMINADO

Alguma coisa é.
Está dentro de mim,
Sendo.
Alguma coisa não é,
Está dentro de mim:
Indo.
É,
Está fora de mim,
Transcendo.
Não é
Coisa nem mim,
Fluindo.

CÉREBRO SUJEITO

Opaco
O cérebro
Olha o espelho
E não pode ver a si refletido.
Íntimo, o grãozinho de nada
Espia o revés
Do cérebro
Lúcido

E não pode ver a si refletido.

NUMA MANHÃ DE DOMINGO, O SUJEITO?

Olhar a vida com o teto descascado,
Não saber o que é bom,
Ou se,
É ruim, o gosto da boca,
Ou se,
Amanhece,
Se tudo é só lençol,
Sol,
ou
Nada,

O SUJEITO OCIDENTAL-BUDISTA

Uma nota
duas:
a composição da música.
Duas notas,
uma:
a decomposição da música

Um silêncio se nota,
nada existindo:
música.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O SUJEITO NA PADARIA EM IPANEMA

Homens/mulheres atarantadas
Partículas molhadas pelo mar, névoa,
A polícia vigia, põe medo como galinhas põem ovos.
Ninguém captura essas partículas tostadas pela luz tardinha,
cobrindo-se com a escuridão quente da última fornada do céu.
Homens/mulheres alaranjadas.
Cariocas, língua de índio, tão vermelhos,
Marcados de brasil.
Quase me perco em teorias passadas e
mereço o rótulo de neo-indianista:
invadido pelo orgulho de ver também que um Índio descerá -
ouço repentina a voz com sotaque nordestino num grito pedir:

– Seis franceses, please!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O SUJEITO VÊ

Em qualquer silêncio dissolvido num

Átimo

Vislumbro a tal felicidade indescritível

(Quase nada)

UM SUJEITO EM CELULÓIDE

Preciso do teu rosto preciso
Que teus traços não sejam traição
Ou sim:
Traiam pactos naturais com o tempo
(Perecível).
Sim, precisa seja
A tua imaterial presença,
Rever em tela de cinema
(Sala escura dentro da cabeça)
A reprise do teu rosto
Antes que a umidade do tempo
Engendre a corrosão do celulóide inútil.
E então nem somente a luz devassando poeiras,
Iludindo retinas.
Só, preciso que tu sejas preciso,
Tua presença.

LAMENTO URBANO DO SUJEITO EM LISBOA

Prostituta, a língua mal falada
Veste jeans e t-shirt
Devassa, atravessa minha voz
Falo invento o amor no ouvido ausente e
Vocifero o corpo não sentido sobre a cama
Mordisco palavras forjadas nessa península aqui, ibérica,
Abuso dessa língua lasciva,
Rendida sob meus carinhos coloniais...

NO MEIO DO CONGESTIONAMENTO, O SUJEITO

O poema aqui não venta,
Não transita -
Estanqueia,
O poema aqui
Tonto dos odores doces iletrados,
Rinite de perfumes ácidos acadêmicos,
O poema aqui
Tem ânsias de um ponto final
E nem começo tem:

(Apenas o que o nada já é)

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

OS OLHOS FECHADOS DO SUJEITO

Abdicar de

espírito

e corpo

Ser pobre asceta

Perambular sem nome pelo Medievo

Pedir que não me encontrem

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A CARNE DO SUJEITO

Concretude reta rígida logicamente binária,
Racionalidade tupiniquim gerada nos milésimos de segundo da técnica das teclas prenhes de tantas informações,
Fibras, micros, macros, tetradimensionais, poliquantum, arrogância a laser,
Sinais, pontes, teletudo que existe:

Acaso me espatifo no concreto da calçada,
Meu cérebro é cinza mole labirinto
Massa informe, incerta e antiquada

                                   (como um açougue na esquina)

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

PESSOA SUJEITO

Veja telenovelas, pequena.
Veja telenovelas.

(meu pai vai dormir e
pergunta se pode desligar a televisão.
não, pai.
não pode.
seu filho quer ver.
seu filho precisa ver
televisão)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

TUDO ESCURO E O SUJEITO

Num risco tênue de cinzazul


Desenho com pupilas

Uma anti-montanha

no céu todo gasto.


Luto contra-celeste

Escorrega luz de meus olhos:

Tudo noturno e eu

domingo, 15 de agosto de 2010

O SUJEITO-PALAVRA

Nossas guerras transmitidas

(como vírus)

Em tempo real.

E minhas batalhas aqui,

Só as desejo grafadas.

Sou escrivão de tudo,

E talvez poeta, conforme lido.

Perco sempre alguma batalha incógnita

E entrego o pouco meu:

– a jurisdição dos muitos territórios de ser alguém;

– o plural da voz prisioneiro no papel;

– ações intestinas, impressas;

É o seu espólio na guerra cotidiana de existir: eu assassino

O efêmero na vida das palavras

Para ceder – agora – os seus alimentos,

Devorador de poesia.

Mesmo sem precisar, você, de mim.